A mocinha tenta estacionar o carrão dentro do supermercado. O carro é grande e, apesar das parafernálias tecnológicas, insiste em não caber na exígua vaga.
Surge o solícito funcionário do supermercado e se dispõe a colocar aquela 'banheira' entre dois carros.
A mocinha desce, entrega a chave com displicência. Não olha no olho do manobrista (que também responde pelas funções de 'Segurança III', 'Ajudante de serviços gerais IV' e 'Pau-pra-toda-obra I'.
Ela não o cumprimenta, nem sequer agradece. Nada. Nem um protocolar balançar de cabeça.
Apenas deixa as chaves com ele e sai, ajeitando o cabelo e olhando o comprimento do vestido.
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Toda essa crônica de costumes é para narrar cena vista há alguns dias e que chamou a atenção deste que vos digita.
A mocinha com seu carrão e sua empáfia é cena cotidiana em um país que ainda não conseguiu se desvencilhar de um persistente ranço escravocrata. E a observação se une à onda xenófoba que assustou uma parte do país.
País que, diga-se de passagem, até pouco tempo atrás ainda tinha edifícios com a divisão entre o elevador social e o de serviço. Empregado, entregador de pizza, preto e pobre? Aos seus lugares, por favor!
Recentemente, colega de profissão reclamava das vagas no estacionamento, lotado, da empresa que a obrigou a deixar o carro na rua. "Não sou pião", vociferava, com a certeza de que o diploma de curso superior a coloca em um patamar superior ao restante da humanidade.
Flagrantes deste desrespeito são diários e silenciosos. Em pleno século XXI algumas pessoas ainda se acham melhores que as outras e dotadas de privilégios sócio-acadêmicos-financeiros que as diferenciam.
A TV repete estereótipos: o mineiro desconfiado, o carioca malandro, o paulista sisudo, o nordestino ingênuo, a loura burra....
E depois nos assustamos quando alguém expõe, às claras, todo esse preconceito subliminar que nos rodeia.
Confundimos, sem o menor pudor e discernimento, direitos com privilégios.
Lamentável!
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