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De volta às origens

"O jornalismo é, antes de tudo e sobretudo, a prática diária da inteligência e o exercício cotidiano do caráter." Cláudio Abra...

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Reportagem

Segue o texto da reportagem sobre Chico e o Neto:
É grande mas vale a pena.
Com apoio do tricolor Chico Buarque e um gol do xodó Obina, time vence Botafogo e precisa de empate para ser bi

Fellipe Awi

Chico Buarque nem se lembra da última vez que foi assistir a um jogo no Maracanã. Com a sua histórica timidez, misturada ao desconforto com entrevistas, respondeu estalando os dedos: faz muito tempo. Graças ao neto Francisco, filho de Carlinhos Brown com sua filha Helena, aceitou reencontrar um estádio em festa, mas sem as três cores que sempre lhe traduziram tradição e paixão. Talvez por isso tenha se decidido pela neutralidade de uma camisa azul e branca. Sem se dar conta, pode ter testemunhado o primeiro passo para a perda da hegemonia absoluta do seu Fluminense no Rio. Com a vitória de ontem por 1 a 0, o Flamengo precisa de um empate no domingo para conquistar o 30º título carioca, igualando-se ao time de Chico. Perguntado se estava feliz com o resultado, sorriu, olhou para o neto e assentiu com a cabeça. Sim, ele estava feliz.

Se mais dissesse, Chico Buarque provavelmente não mostraria o mesmo contentamento com a qualidade do espetáculo a que acabara de assistir. Não foi um jogo com a categoria de suas músicas, mas o artista não deve ter duvidado nem por um momento de que estava presenciando uma final de campeonato. Jogo corrido, nervoso, cada dividida uma batalha. Venceu a equipe que, apesar de suas limitações, entrou em campo para vencer e não para empatar. Agora, o Botafogo precisa derrotar o rival por dois gols de diferença no domingo. Se for por apenas um gol, a decisão vai para os pênaltis.

Eduardo acerta a trave na melhor chance alvinegra

Já com a bola rodando, acomodado nas cadeiras especiais do Maracanã, Chico recebeu o convite tentador de um amigo. Mais acima, havia um lugar reservado, em que ele e sua timidez poderiam assistir ao jogo mais sossegados. Olhou animado para o neto, que lhe deu um olhar de reprovação.

— Ele quer ficar aqui — respondeu, resignado.

Sem outro remédio que não o de ficar no meio da galera rubro-negra, Chico procurou esquecer o ambiente à volta. Incomodado com as pessoas que ficavam em pé à sua frente, foi incapaz de engrossar o tradicional coro de “senta!". Foi com o pescoço esticado que ele viu o jogo começar truncado no meio-campo, muitos passes errados e pouquíssimo futebol. O juiz Gutemberg de Paula marcava as faltas que existiam — e até os simples encontrões —, o que só se servia para interromper mais a partida. O primeiro lance de perigo foi acontecer só aos 23, quando Ibson deu bom passe para Souza, que chutou em cima de Renan. Francisco, o menino, aplaudiu, mas Chico ficou quieto. Ele só levantou de novo num contra-ataque rápido, aos 43, que Marcinho desperdiçou com um chute cruzado. Renan espalmou e Souza não chegou a tempo para concluir.

Apesar de o primeiro tempo ter sido sofrível, Chico deve ter gostado menos do intervalo. Sem a concorrência do campo, alguns olhos voltaram-se para ele. Encabulado, posou para fotografias tiradas de celulares. Para sua sorte, as meninas mais jovens pareciam mais interessadas no ator Dado Dolabella, que também estava por lá. Deu, pelo menos, para desfrutar de um cachorro-quente ao lado do neto. Quando a bola voltou a rolar, Chico já era de novo apenas um avô que via Souza perder a melhor chance até então, aos três minutos, de dentro da pequena área. Renan fez excelente defesa.

O Botafogo pouco se arriscava no ataque. Com quatro desfalques, entre eles os velozes Alessandro e Jorge Henrique, jogava com muita lentidão e também esbarrava na defesa rubro-negra. As melhores chances eram em faltas cruzadas na área do Flamengo. Nessas horas, Chico brincava chacoalhando as mãos, como se mostrasse para o neto que seu time sofria perigo. Numa dessas bolas, aos 15, Fábio desviou de cabeça sobre o travessão de Bruno. O Flamengo respondeu aos 21 com um chute de Marcinho da entrada da área: Renan espalmou mais uma vez. Sete minutos depois, na melhor chance alvinegra, Eduardo entrou pela esquerda e acertou o trave direita do Flamengo. Pela primeira vez, Chico levaria a mão à cabeça e soltaria um grito — sabe-se lá se de alívio ou de desespero.

A partida continuava impressionando mais pela dedicação dos jogadores do que por sua técnica. Estava chegando a hora do gol de Obina e de toda aquela cena descrita no início desta história. O xodó rubro-negro entrara no lugar de Ibson e, com seu jeito meio atabalhoado, já havia feito uma boa jogada pela esquerda. Aos 35, Leonardo Moura roubou a bola e deu início ao contra-ataque num dos raros momentos em que a defesa alvinegra se abriu. Diego Tardelli, que entrara no lugar de Kleberson, levou a bola até o fundo e cruzou rasteiro para Obina marcar quase caído.

No meio da apoteose rubro-negra, Chico Buarque pareceu encantado com a canção-paródia criada para ironizar o choro dos alvinegros na decisão da Taça Guanabara. Depois, recebeu o beijo da amiga e jornalista Scarlett Moon, vestida com a camisa do Flamengo. Alguém maldoso poderia dizer que foi um beijo de boas-vindas à nação rubro-negra. Nada disso. Chico continua tricolor, é claro, mas, por 90 minutos, foi como se estivesse embalado por sentimentos mais fortes do que qualquer rivalidade. Por uma tarde, o menino Francisco mudou o seu cotidiano.


Flamengo: Bruno, Leonardo Moura, Fábio Luciano, Ronaldo Angelim e Juan; Cristian, Kleberson (Diego Tardelli), Ibson (Obina) e Toró; Marcinho e Souza (Jailton). Botafogo: Renan, Renato Silva, André Luis e Leandro Guerreiro; Túlio Souza (Eduardo), Diguinho, Túlio, Lúcio Flávio e Zé Carlos (Édson); Fábio (Adriano Felício) e Wellington Paulista. Juiz: Gutemberg de Paula. Cartões amarelos: Túlio Souza, Renato Silva, Diguinho; Marcinho, Souza, Fábio Luciano e Jailton. Renda: R$1.333.455,00. Público: 63.413 pagantes.

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